03/07/2009

Um quadro de Brauner


Brauner põe-se a pintar
a procura o fundo apego
do homem à pele do medo

Desfaz as linhas do corpo
como se linhas da mão
dá ao sexo o lugar
que dá à flor

Brauner pinta com a língua
ou outro órgão de amor
o que o braço não podia

tanto é a cor mais dura
com o peso da sabedoria

Mostrar um pásssaro na mão
é o que Brauner consegue
mas tão somente essa mão
pica no pássaro que a fere

Mostrar o orifício oco
da orelha colocada
no lado onde a sentimos
ouvir e morrer calada

sobre o veneno do bico
tentando beijá-lo abri-lo
tentando ouvi-lo escutá-lo

O ser que pode ser
aquilo que Brauner não quer
move-se na tela com o medo

de quem perdeu a sombra
num deserto ao meio-dia
uma claustrofobia
do espírito dentro da luz

de Terra Imóvel, 1964.
Luísa Neto Jorge

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