14/10/2009

José Luís Peixoto

Tenho mil irmãs para amar sem palavras.


Tenho aquela irmã que caminha encostada

às paredes e sem voz, tenho aquela irmã de

esperança, tenho aquela irmã que desfaz o

rosto quando chora. Tenho irmãs cobertas

pelo mármore de estátuas, reflectidas pela

água dos lagos. Tenho irmãs espalhadas por

jardins. Tenho mil irmãs que nasceram

antes de mim para que, quando eu nascesse,

tivesse uma cama de veludo. Agradeço com

amor a cada uma das minhas irmãs. São mil

e cada uma tem um rosto a envelhecer. As

minhas mil irmãs são mil mães que tenho.

Os olhos das minhas irmãs seguem-me com

bondade e, quando não me compreendem,

é porque eu próprio não me compreendo.

Tenho mil irmãs a esperar-me sempre, com

silêncio para ouvir-me e para proteger-me

no inverno. Tenho aquela irmã que é uma

menina que sai de casa cedo para chegar cedo

à escola e tenho aquela irmã que é uma

menina que sai de casa cedo para chegar cedo

à escola. Tenho irmãs como música, como

música. Tenho mil irmãs feitas de branco.

Eu sou o irmão de todas elas. Sou o guardião

permanente e incansável do seu sossego.

Eu tenho de ser feliz pelas minhas irmãs.

Eu tenho de ser feliz pelas minhas irmãs.

José Luís Peixoto in, "Gaveta de Papéis"

1 comentário:

mfc disse...

É dos novos poetas que mais me tocam.
E fizeste uma bonita escolha.