11/10/2009

Ruínas



(cduxa limalimãorosa'sabão)


Ruínas

Se é sempre Outono o rir das Primaveras,

Castelos, um a um, deixa-os cair...

Que a vida é um constante derruir

De palácios do Reino das Quimeras!



E deixa sobre as ruínas crescer heras,

Deixa-as beijar as pedras e florir!

Que a vida é um contínuo destruir

De palácios do Reino das Quimeras!



Deixa tombar meus rútilos castelos!

Tenho ainda mais sonhos para erguê-los

Mais alto do que as águias pelo ar!



Sonhos que tombam! Derrocada louca!

São como os beijos duma linda boca!

Sonhos!... Deixa-os tombar... Deixa-os tombar.



Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"



Ruínas


Cobrem plantas sem flor crestados muros;

Range a porta anciã; o chão de pedra

Gemer parece aos pés do inquieto vate.

Ruína é tudo: a casa, a escada, o horto,

Sítios caros da infância.

Austera moça

Junto ao velho portão o vate aguarda;

Pendem-lhe as tranças soltas

Por sobre as roxas vestes.

Risos não tem, e em seu magoado gesto

Transluz não sei que dor oculta aos olhos;

— Dor que à face não vem, — medrosa e casta,

Íntima e funda; — e dos cerrados cílios

Se uma discreta muda

Lágrima cai, não murcha a flor do rosto;

Melancolia tácita e serena,

Que os ecos não acorda em seus queixumes,

Respira aquele rosto. A mão lhe estende

O abatido poeta. Ei-los percorrem

Com tardo passo os relembrados sítios,

Ermos depois que a mão da fria morte

Tantas almas colhera. Desmaiavam,

Nos serros do poente,

As rosas do crepúsculo.

“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge

No teu lânguido olhar um raio deixa;

— Raio quebrado e frio; — o vento agita

Tímido e frouxo as tuas longas tranças.

Conhecem-te estas pedras; das ruínas

Alma errante pareces condenada

A contemplar teus insepultos ossos.

Conhecem-te estas árvores. E eu mesmo

Sinto não sei que vaga e amortecida

Lembrança de teu rosto.”



Desceu de todo a noite,

Pelo espaço arrastando o manto escuro

Que a loura Vésper nos seus ombros castos,

Como um diamante, prende. Longas horas

Silenciosas correram. No outro dia,

Quando as vermelhas rosas do oriente

Ao já próximo sol a estrada ornavam

Das ruínas saíam lentamente

Duas pálidas sombras:

O poeta e a saudade.



Machado de Assis, in 'Falenas'

2 comentários:

mfc disse...

Duas bonitas escolhas de textos como legenda para uma lindíssima foto.

Gerana Damulakis disse...

Florbela, pura poesia. Vi a casa dela em Évora. Tenho muitos textos (inclusive em livro) sobre a poesia ousada de Florbela, a que não queria um homem, mas um deus. Maravilhosa!!!
Já Machado, o maior escritor brasileiro: grande ficcionista, mas poeta medíocre.