06/02/2010

Carlos Drummond de Andrade

                    
(cduxa -limamãorosa'sabão)

Amar

Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer,

amar e malamar,

amar, desamar, amar?

sempre, e até de olhos vidrados, amar?



Que pode, pergunto, o ser amoroso,

sozinho, em rotação universal, senão

rodar também, e amar?

amar o que o mar traz à praia,

o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,

é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?



Amar solenemente as palmas do deserto,

o que é entrega ou adoração expectante,

e amar o inóspito, o áspero,

um vaso sem flor, um chão de ferro,

e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.



Este o nosso destino: amor sem conta,

distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,

doação ilimitada a uma completa ingratidão,

e na concha vazia do amor a procura medrosa,

paciente, de mais e mais amor.



Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa

amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.



in Claro Enigma
Carlos Drummond de Andrade


Li este poema no Leitora CriticaCom uma  belíssima análise.

1 comentário:

Gerana Damulakis disse...

A cadência do poema é o que mais me encanta. Tantas vezes me pego com os versos martelando na cabeça. Principalmente aqueles: "amar e esquecer,/ amar e malamar,/ amar, desamar, amar". Isto fica para sempre.