A luz tornara-se de um amarelo exageradamente lento, de um amarelo sujo de lividez. Haviam crescido os intervalos entre as coisas, e os sons, mais espaçados de uma maneira nova, davam-se desligadamente. Quando se ouviam acabavam de repente, como que cortados. O calor, que parecia ter aumentado, parecia estar, ele calor, frio. Pela leve frincha das portas encostadas da janela via-se a atitude de exagerada expectativa da única árvore visível. O seu verde era outro. O silêncio entrara-lhe com a cor. Na atmosfera haviam-se fechado pétalas. E na própria composição do espaço uma inter-relação diferente de qualquer coisa como planos havia alterado e quebrado o modo dos sons, das luzes e das cores usarem a extensão.
Fernando Pessoa - Livro do Desassossego, Assírio & Alvim
2 comentários:
Muitas vezes releio, ao acaso, algumas páginas do Livro do Desassossego.
Bela Descrição...
Fernando Pessoa é fabuloso.
Um Abraço.
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