16/02/2012

Orfeu Rebelde





Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
... Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo de um poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.

Miguel Torga, Orfeu Rebelde
  Christoph Willibald Gluck "Orphée et Euridice"

1 comentário:

mfc disse...

Um grito de um inconformado!