04/02/2010
Astor Piazzolla e Vasco Graça Moura
A Viagem de Verão
«felix qui potuit rerum cognoscere causas»
Virgílio
falta aqui uma tília com o seu porte e a
sua vasta copa acinzentada a erguer-se
contra a demolição do céu. e falta aqui o canto,
o brilho latejante no exemplo esfarrapado,
na indecifração das nuvens.
talvez alguém dissesse apenas um lamento:
«feliz quem pode conhecer a causa
das coisas e adormece».
porque tudo é metálico nos aeroportos,
prestes a converter o céu em ameaça,
porque também há pistas para parte nenhuma
e rumores de turbinas e voos sem destino
e porque a luz é branca e sem arco-íris
e as sombras nada significam, só trajectos
incessantes, incertos, cruzando-se no mundo,
gente que se ama e se deseja, se odeia e se degladia,
ou se deixa resvalar na mais pura indiferença
com armas e bagagens, e apetrechos electónicos,
silêncios de plástico e plantas inodoras,
falta aqui uma tília, quem sabe?, o lindenbaum
do schubert, para na casca lhe gravarmos
as palavras do amor e da passagem
do unicórnio, as datas imprevistas,
a sombra dos eclipses e dos anjos.
De giraldomachias, onze poemas e um labirinto
sobre fotografias de gérard castello-lopes, 1999.
Vasco Graça Moura
In, Século De Ouro
Antologia Crítica Da Poesia Portuguesa do Século XX
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1 comentário:
CDUXA: leve Drummond, sim. Ele é meu, ele é seu, ele é de todos que amam a poesia nascida na língua portuguesa.
Aqui acima está mais um belo exemplo. Existe língua que faça os versos ficarem mais belos do que a nossa?
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